Luiza Erundina desabafa em entrevista:
É difícil ser honesto na política
No terceiro mês à frente da Prefeitura de São Paulo, em 1989, a agora deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), então no PT, resolveu manter nas garagens os ônibus da antiga Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC) durante uma greve de motoristas e cobradores. Para dar publicidade à decisão, publicou um informe pago em três jornais da cidade, apoiando os grevistas. Quase vinte anos depois, veio a conta do ato: ela foi condenada em última instância a devolver aos cofres paulistanos 350.000 reais referentes aos gastos com a publicação. Seu apartamento de 80 metros quadrados e dois carros foram penhorados. O saldo de suas contas bancárias foi confiscado.
A deputada vinha tentando contornar a situação discretamente, mas há pouco mais de um mês um grupo suprapartidário resolveu ajudar, organizando jantares para arrecadar o dinheiro. Em tempos em que boladas saem dos cofres públicos para rechear meias e até cuecas, chama a atenção um episódio em que um político é condenado a ressarcir o erário - e de fato o faz. Na entrevista a seguir, Erundina dá detalhes do episódio e fala sobre ética na política.
A quantas anda a arrecadação que pretende ajudar a senhora a devolver o dinheiro aos cofres de São Paulo?
Estamos sem prazo para ter o resultado final, mas já temos cerca da metade dessa dívida. Já foram realizados quatro jantares. Além de contribuições individuais, que são muitas, modestas e de certa forma comoventes, com doações de dois reais e de "vaquinhas" feitas por grupos de mulheres que se cotizam.
A senhora vê isso como um reconhecimento por sua carreira política?
Sim. Além disso há uma indignação diante do contraste deste com casos que nunca têm um final, uma condenação.
Quando saiu a decisão da Justiça?
Em 2006, perdi nas três instâncias e, em 2008, a Justiça executou a dívida, confiscando todo o saldo que eu tinha em duas contas, uma com os honorários como deputada, e uma outra da aposentadoria como assistente social da Prefeitura. Eu fiquei com todas as contas zeradas, e o meu advogado procurou a Justiça para negociar. O acordo que fizemos foi penhorar o único bem que tenho, um apartamento de 80 metros quadrados, que não vale nem 10% da dívida, e dois automóveis, além de 10% dos meus honorários, que são descontados na fonte.
Quem abriu o caso contra a senhora?
Um cidadão que não concordou com minha posição e moveu uma ação civil pública.
A senhora acredita que foi vítima de perseguição política?
Não me sinto vítima. Não quero me sentir como tal.
A senhora se arrependeu de ter publicado o informe sobre a greve?
Eu faria do mesmo jeito se as circunstâncias fossem as mesmas. Não me arrependo, não me sinto culpada, não errei e estou pagando o preço por uma posição coerente com minha trajetória política.
A senhora conhece algum outro político que tenha devolvido dinheiro aos cofres públicos a mando da Justiça?
Não conheço.
Diante de tantas denúncias de corrupção e mensalões sem punição, a senhora acha que paga pelo crime dos outros?
Eu diria que as manifestações de indignação e revolta sinalizam que a sociedade preserva o valor da ética e sabe distinguir quem é quem no cenário político. Não sou só eu. Tem muita gente ética e séria que não frauda o interesse público.
A senhora acha que o fato de pagar o que deve pode colocar em discussão a questão ética na próxima eleição?
Eu acho que honestidade e ética é pressuposto. Não precisa ser deputada ou militar em um partido político para que a sociedade exija um comportamento ético. Eu não me sinto exemplo. Eu me sinto alguém que deve fazer o que deve ser feito, que é agir com honestidade, lisura, transparência e respeito a quem confia em mim. Eu não sou a única que se comporta eticamente.
É difícil ser honesto no meio político?
É. Mas temos de ter compromisso ético porque isso também tem uma função pedagógica para que a juventude veja que é possível fazer política sem ter que se corromper. Aquela frase que o poder corrompe não é verdade, pelo menos não para todo mundo.
2 comentários:
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Bjs
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